Em tempos de proliferação de programas de “confinamento humano”, que
tentam a todo custo transformar pessoas comuns em “estrelas de TV”, a sede pela
fama, pelo sucesso, tem comprometido a formação do caráter de toda uma geração.
Há algum problema em alguém desejar ser famoso? Não, desde que o “preço” pedido
possa ser pago sem que a própria alma seja colocada como forma de penhor. No
caminho da ascensão rumo à fama, parece que deixam de fora da “grade curricular”
matérias que ofereçam um pouco mais de conteúdo relacionado à cultura geral, humildade,
simplicidade (pelo menos um pouco). Para ser o “número um”, muitos passam por
cima de qualquer coisa e de qualquer um. Não é de se estranhar, em virtude
disto, o alto índice de futilidade evidenciado por muitas “estrelas” da cultura
pop nos nossos dias. Quer algo pior? Estas pessoas compõem o grupo dos “formadores
de opinião da sociedade”.
Em tempos de diluição da teologia, podemos notar (com muito pesar) a
proliferação de uma “erva-daninha” quem tem contaminado centenas de milhares
com uma enfermidade de alma com altíssimo grau de destruição. O rótulo
que colocaram no frasco deste veneno tem sido bastante eficaz com relação a proposta de enganar suas “vítimas”. No rótulo há garantias (falsas, é bom que
seja dito) de SUCESSO IMEDIATO. A chamada “teologia da prosperidade” – nome dado
a este “movimento” – tem provocado nos “crentes” o mesmo desejo desenfreado que
os apostadores das loterias: tornar-se um milionário. A diferença é que na referida
teologia inserem o nome de Deus. Não considero uma "teologia" esta corrente, mas uma
sugestão, uma forma de fazer da religião um trampolim para o sucesso. E é
exatamente sobre este aspecto que desejo desenvolver um raciocínio a partir
deste artigo.
O problema de ter o estrelato como alvo maior é bem parecido com o
problema gerado nas almas das vítimas da “teologia da prosperidade”. No
primeiro caso a máxima é: “você nasceu para brilhar”; no segundo é: “você nasceu
para ser ‘cabeça’ e não ‘cauda’”. Ou seja, em ambos os casos não há espaço para
a possibilidade de não ser o primeiro. Se não posso ser o ator principal,
coadjuvante também não quero ser – esta tem sido a sentença de morte
existencial para centenas de milhares de incautos caminhantes nesta estrada
chamada vida.
Ser coadjuvante pode ser muito mais especial do que você pode
imaginar. Ser o segundo nem sempre é sinônimo de ser menos importante. A
indispensabilidade não está relacionada com a posição na cadeia hierárquica. Às
vezes esta realidade é obscurecida aos nossos olhos pela pompa e status
conferidos aos cargos mais elevados. É muito importante saber que o cargo não é capaz
de conferir solidez ao seu caráter. Por outro lado a solidez do seu caráter
confere firmeza e credibilidade ao cargo que você ocupa, independente do escalão.
Na Bíblia, que é a Palavra de Deus, encontramos muitos relatos de
coadjuvantes abençoados e abençoadores. Por ora, quero tomar emprestada a
história de Miriã, que pode ser lida no livro do Êxodo, capítulos primeiro e décimo
quinto e no livro de Números, capítulo doze. Miriã foi coadjuvante que fez
diferença, mas que também foi contaminada de maneira muito infeliz pela sensação
de inferioridade por estar na coadjuvância.
Irmã mais velha do “ator principal” da ‘trama’ – Moisés, Miriã desempenhou
uma função importantíssima. Condenado à morte pelo imperador da época, Moisés
foi colocado em um cesto às margens do Nilo, bem próximo ao local aonde a princesa
iria se banhar. O plano foi muito bem planejado e executado. A participação desta
menina foi fundamental. Apesar de não deixar de ser uma coadjuvante, o desenrolar
da ‘trama’ deveu-se muito ao seu trabalho. Foi Miriã quem abordou a princesa oferecendo
um serviço especializado de babá, no exato momento em que o irmão foi resgatado
das águas. Imagine se esta pequena recusasse a coadjuvância! Obviamente,
creio que Deus não ficaria de “pés e mãos atados”, mas Miriã perderia o
privilégio de participar de um enredo tão espetacular.
Os anos se passaram e o menino resgatado das águas já era um homem a quem
Deus confiara a responsabilidade de ser o interlocutor diante do Faraó. Miriã
teve a alegria de poder, mais uma vez participar de um enredo ainda maior na
história do seu povo. Deus escolheu os caminhos mais espetaculares para trazer
libertação aos israelitas que, nesta época, viviam sob dura servidão no Egito.
Os sinais, maravilhas e milagres ficaram marcados para sempre na história não,
apenas dos israelitas, mas da humanidade de maneira geral. No caminho da
liberdade, Faraó se arrependeu de ter “deixado” o povo ir e saiu decidida e
furiosamente ao encalço dos “fugitivos”. Mais uma vez Deus intervém e concede
livramento sobrenatural: a famosa travessia do Mar Vermelho. O mesmo local em
que os israelitas passaram serviu de sepultura para os perseguidores egípcios.
Do outro lado da margem, Moisés entoa uma linda canção de agradecimento a Deus e
Miriã lidera o povo através dos instrumentos e das danças. Seu papel de
coadjuvante foi, mais uma vez, de grande importância.
A maior crise enfrentada por Miriã foi provocada pela insatisfação com
a coadjuvância. Em um determinado momento aliou-se ao irmão Arão e questionou a
liderança de Moisés. Neste momento a missão foi menos importante do que o ego e,
quando alguém chega a este ponto, perde a saúde espiritual. Com a alma
adoecida, a vulnerabilidade para a ação do pecado é aumentada. Pobre Miriã,
insatisfeita com seu papel deu lugar à ambição egoísta. Não entendeu que há uma
distância que precisa ser respeitada entre o desejo de ser “ator principal” e o
caminho percorrido para chegar lá. Deixou de considerar a motivação que estava
por trás do seu desejo de ser “maior” do que Moisés. O assunto foi tão sério
que Deus não deixou para tratá-lo posteriormente. Os irmãos insatisfeitos
deveriam saber que Moisés havia sido colocado naquele “posto” por ele mesmo,
Deus. Miriã foi acometida por lepra e ficou isolada por um período por um
período de sete dias. Por sua causa todo o povo foi impedido de caminhar.
Por que às vezes agimos como Miriã e nos revoltamos contra todo tipo
de “Moisés” que está à nossa frente? Normalmente a causa de tanta insatisfação
é fruto de um ego inflado ou ferido. Faltam-nos, neste momento, a compreensão e
a convicção de que Deus não nos pretere em função de nossa posição hierárquica
em qualquer tipo de organização (até mesmo na igreja). Eu posso ser coadjuvante
e ser um eficaz agente de expansão do Reino de Deus nesta terra. Definitivamente
precisamos aprender e valorizar a coadjuvância. Nenhuma missão conhece o
sucesso sem a participação dos coadjuvantes.