segunda-feira, setembro 19, 2011

A bênção de ser um coadjuvante


Em tempos de proliferação de programas de “confinamento humano”, que tentam a todo custo transformar pessoas comuns em “estrelas de TV”, a sede pela fama, pelo sucesso, tem comprometido a formação do caráter de toda uma geração. Há algum problema em alguém desejar ser famoso? Não, desde que o “preço” pedido possa ser pago sem que a própria alma seja colocada como forma de penhor. No caminho da ascensão rumo à fama, parece que deixam de fora da “grade curricular” matérias que ofereçam um pouco mais de conteúdo relacionado à cultura geral, humildade, simplicidade (pelo menos um pouco). Para ser o “número um”, muitos passam por cima de qualquer coisa e de qualquer um. Não é de se estranhar, em virtude disto, o alto índice de futilidade evidenciado por muitas “estrelas” da cultura pop nos nossos dias. Quer algo pior? Estas pessoas compõem o grupo dos “formadores de opinião da sociedade”.
Em tempos de diluição da teologia, podemos notar (com muito pesar) a proliferação de uma “erva-daninha” quem tem contaminado centenas de milhares com uma enfermidade de alma com altíssimo grau de destruição. O rótulo que colocaram no frasco deste veneno tem sido bastante eficaz com relação a proposta de enganar suas “vítimas”. No rótulo há garantias (falsas, é bom que seja dito) de SUCESSO IMEDIATO. A chamada “teologia da prosperidade” – nome dado a este “movimento” – tem provocado nos “crentes” o mesmo desejo desenfreado que os apostadores das loterias: tornar-se um milionário. A diferença é que na referida teologia inserem o nome de Deus. Não considero uma "teologia" esta corrente, mas uma sugestão, uma forma de fazer da religião um trampolim para o sucesso. E é exatamente sobre este aspecto que desejo desenvolver um raciocínio a partir deste artigo.
O problema de ter o estrelato como alvo maior é bem parecido com o problema gerado nas almas das vítimas da “teologia da prosperidade”. No primeiro caso a máxima é: “você nasceu para brilhar”; no segundo é: “você nasceu para ser ‘cabeça’ e não ‘cauda’”. Ou seja, em ambos os casos não há espaço para a possibilidade de não ser o primeiro. Se não posso ser o ator principal, coadjuvante também não quero ser – esta tem sido a sentença de morte existencial para centenas de milhares de incautos caminhantes nesta estrada chamada vida.
Ser coadjuvante pode ser muito mais especial do que você pode imaginar. Ser o segundo nem sempre é sinônimo de ser menos importante. A indispensabilidade não está relacionada com a posição na cadeia hierárquica. Às vezes esta realidade é obscurecida aos nossos olhos pela pompa e status conferidos aos cargos mais elevados. É muito importante saber que o cargo não é capaz de conferir solidez ao seu caráter. Por outro lado a solidez do seu caráter confere firmeza e credibilidade ao cargo que você ocupa, independente do escalão.
Na Bíblia, que é a Palavra de Deus, encontramos muitos relatos de coadjuvantes abençoados e abençoadores. Por ora, quero tomar emprestada a história de Miriã, que pode ser lida no livro do Êxodo, capítulos primeiro e décimo quinto e no livro de Números, capítulo doze. Miriã foi coadjuvante que fez diferença, mas que também foi contaminada de maneira muito infeliz pela sensação de inferioridade por estar na coadjuvância.
Irmã mais velha do “ator principal” da ‘trama’ – Moisés, Miriã desempenhou uma função importantíssima. Condenado à morte pelo imperador da época, Moisés foi colocado em um cesto às margens do Nilo, bem próximo ao local aonde a princesa iria se banhar. O plano foi muito bem planejado e executado. A participação desta menina foi fundamental. Apesar de não deixar de ser uma coadjuvante, o desenrolar da ‘trama’ deveu-se muito ao seu trabalho. Foi Miriã quem abordou a princesa oferecendo um serviço especializado de babá, no exato momento em que o irmão foi resgatado das águas. Imagine se esta pequena  recusasse a coadjuvância! Obviamente, creio que Deus não ficaria de “pés e mãos atados”, mas Miriã perderia o privilégio de participar de um enredo tão espetacular.
Os anos se passaram e o menino resgatado das águas já era um homem a quem Deus confiara a responsabilidade de ser o interlocutor diante do Faraó. Miriã teve a alegria de poder, mais uma vez participar de um enredo ainda maior na história do seu povo. Deus escolheu os caminhos mais espetaculares para trazer libertação aos israelitas que, nesta época, viviam sob dura servidão no Egito. Os sinais, maravilhas e milagres ficaram marcados para sempre na história não, apenas dos israelitas, mas da humanidade de maneira geral. No caminho da liberdade, Faraó se arrependeu de ter “deixado” o povo ir e saiu decidida e furiosamente ao encalço dos “fugitivos”. Mais uma vez Deus intervém e concede livramento sobrenatural: a famosa travessia do Mar Vermelho. O mesmo local em que os israelitas passaram serviu de sepultura para os perseguidores egípcios. Do outro lado da margem, Moisés entoa uma linda canção de agradecimento a Deus e Miriã lidera o povo através dos instrumentos e das danças. Seu papel de coadjuvante foi, mais uma vez, de grande importância.
A maior crise enfrentada por Miriã foi provocada pela insatisfação com a coadjuvância. Em um determinado momento aliou-se ao irmão Arão e questionou a liderança de Moisés. Neste momento a missão foi menos importante do que o ego e, quando alguém chega a este ponto, perde a saúde espiritual. Com a alma adoecida, a vulnerabilidade para a ação do pecado é aumentada. Pobre Miriã, insatisfeita com seu papel deu lugar à ambição egoísta. Não entendeu que há uma distância que precisa ser respeitada entre o desejo de ser “ator principal” e o caminho percorrido para chegar lá. Deixou de considerar a motivação que estava por trás do seu desejo de ser “maior” do que Moisés. O assunto foi tão sério que Deus não deixou para tratá-lo posteriormente. Os irmãos insatisfeitos deveriam saber que Moisés havia sido colocado naquele “posto” por ele mesmo, Deus. Miriã foi acometida por lepra e ficou isolada por um período por um período de sete dias. Por sua causa todo o povo foi impedido de caminhar.
Por que às vezes agimos como Miriã e nos revoltamos contra todo tipo de “Moisés” que está à nossa frente? Normalmente a causa de tanta insatisfação é fruto de um ego inflado ou ferido. Faltam-nos, neste momento, a compreensão e a convicção de que Deus não nos pretere em função de nossa posição hierárquica em qualquer tipo de organização (até mesmo na igreja). Eu posso ser coadjuvante e ser um eficaz agente de expansão do Reino de Deus nesta terra. Definitivamente precisamos aprender e valorizar a coadjuvância. Nenhuma missão conhece o sucesso sem a participação dos coadjuvantes.

sexta-feira, agosto 19, 2011

Esperando por Deus, trabalhando com Deus


Todos nós precisamos, para nosso crescimento como ser humano, de tutores, mentores, mestres, discipuladores. Estas pessoas tornam-se referenciais para nós. Desde criancinhas passamos a maior parte do tempo observando quem está à nossa volta. A finalidade deste processo é alcançarmos a meta de sermos também tutores, mentores, mestres, discipuladores de outras pessoas. Os benefícios são inumeráveis. Desafortunados são os que se recusam a participar deste processo. Na nossa caminhada existencial até podemos deixar de ser tutores, mas jamais deixaremos de ser aprendizes.
Como em todo processo pelo qual passamos, quando nos dispomos a dedicar um tempo para o mentoreamento e discipulado, corremos o risco de confundir caminhada rumo à maturidade com dependência paternalista. Este risco existe também do outro lado, quando somos os mentores e discipuladores, caso não tenhamos entendido corretamente que o propósito de tudo isto é atingir a maturidade. Paternalismo difere de treinamento visando o crescimento. Quando os pais substituem o treinamento pelo paternalismo os resultados podem ser vistos em filhos mimados, birrentos, alienados e assustadoramente imaturos.
Não são poucos os crentes que se equivocam quanto a este assunto em sua relação com o Criador, com o Senhor do Universo: confundem paternidade com paternalismo. Se há algo que não pode ser encontrado na relação de Deus com seus filhos é o paternalismo. Não é e nunca foi intenção do Senhor impedir que seus filhos enfrentem de frente as adversidades. Mesmo que o maior presente concedido por ele seja fruto da graça, um favor, não faz parte do seu método de tratamento realizar todos os desejos e vontades dos seus filhos. As necessidades são sempre supridas, enquanto as vontades, apenas às vezes.
Deus espera formar em sua família o caráter de Cristo. Todos os de sua família que receberam de suas mãos os bens mais valiosos tiveram que passar primeiro por vales sombrios, enfrentar tempos de oposição, lutar contra a ansiedade e o medo. Uma frase que é característica no Reino de Deus é esta: “você foi fiel no pouco, sobre o muito te colocarei” (Mt. 25:21,23).
Dentre tantas histórias que a Bíblia registra sobre este assunto, quero me deter em uma neste momento, para um tempo de reflexão. No segundo capítulo do livro do Êxodo pode ser encontrada a história de Joquebede, uma mulher israelita que vivia no Egito. Segundo os registros das Escrituras Sagradas, depois que José morreu os israelitas se multiplicaram na terra do Egito. Um novo rei se levantou e muito se incomodou com isto. Com receio usou do poder e da força para escravizar aquele grande povo. Contudo, sua estratégia não foi eficaz para combater o crescimento. O próximo passo foi decretar a morte de todo menino no momento do parto. A tragédia estava decretada. Onde estava Deus neste momento? Reinando absoluto e soberano sobre todas as coisas, e isto incluía as leis de Faraó.
Esta história me ensina algumas lições importantes com respeito a tempos de crise, de tragédias, de perseguição, enfrentados pela família do Senhor. Joquebede me ensina que estes tempos são oportunidades singulares para experimentarmos a paternidade de Deus, não o paternalismo. Esta mulher aprendeu a discernir o tempo; entendeu que deveria estar sempre atenta ao menor sinal da ação de Deus. Compreendeu que tempos de grandes catástrofes são oportunidades para grandes manifestações do Altíssimo. Quando me refiro a “grandes manifestações” não estou pensando em algo que seja visivelmente grande. Às vezes o Senhor quer fazer algo extraordinário, verdadeiramente grande em nossas almas. Muitos não conseguirão enxergar. Por isso é importante entender que Deus se manifesta em nós com o desejo de nos levar à ação. Quando andamos com o Senhor, nossas ações tornam visíveis os feitos dele.
Joquebede aprendeu que, como dependente da ação de Deus, podia confiar em Suas estratégias, mesmo que lhe parecessem estranhas. Enquanto muitos meninos eram jogados no Nilo, Joquebede recebeu direcionamento de Deus para levar seu filho para aquele rio. Esta missão secreta e perigosa foi confiada a uma criança. Miriã, a filha mais velha de Joquebede, foi encarregada de dar sequência àquele perigoso projeto. Mas uma criança? Ela não poderia por tudo a perder? Não poderia ser tomada por medo, “dar com a língua nos dentes”? Afinal, era apenas uma menininha. Esta mulher aprendeu a confiar nas ações “estranhas” e nada “convencionais” de Deus. Aprendeu que no Reino de Deus a ordem é descansar enquanto confia e trabalhar enquanto descansa. No Reino de Deus esperamos pelo Senhor enquanto trabalhamos com o Senhor, não importa se o direcionamento para o trabalho envolva certos riscos e certas pessoas que julgamos não ser muito capazes.
Joquebede aprendeu também que o Senhor Deus é poderoso para preservar a vida mesmo que o ambiente seja dominado pela morte. Moisés foi levado para o local onde todos os meninos estavam sendo mortos. Fazia parte do projeto do Senhor retirar o menino daquelas águas. Ele estava demonstrando seu poder sobre uma das divindades do Egito – o Nilo. O Senhor da vida não tem problemas em deter a morte. Moisés foi resgatado cheio de vida, do reino da morte.
Neste processo, Joquebede pode comprovar que o Senhor usa até mesmo o adversário para a preservação da vida. Os servos do Senhor são meio lentos para entenderem que o Todo-Poderoso não conhece limites, não pode ser contido. Ironicamente um israelitazinho condenado à morte foi salvo, resgatado, protegido e criado pela filha do autor da condenação. O Senhor vai adiante destrancando os portões de ferro. Seus filhos devem esperar por ele e, ao mesmo tempo, trabalharem com ele.
Em toda esta história Joquebede aprendeu que o Senhor espera prontidão dos seus filhos para o cumprimento da missão. O menino não apenas foi salvo da morte, como recebeu toda estrutura para ser treinado para ser o homem que o Senhor desejava que fosse. Joquebede se prontificou a participar deste processo enquanto fosse a vontade do Senhor. No tempo mais importante da formação do menino, foi ela quem trabalhou como tutora, mentora, discipuladora. Não entregou o filho a Deus e deu as costas. Não apenas esperou por Deus; ela também trabalhou com Deus.
Olhando para esta história tão distante fico refletindo sobre a visão equivocada que temos da nossa participação no Reino de Deus. Confundimos paternidade com paternalismo. Enquanto isto não for devidamente corrigido em nossas mentes e corações, continuaremos apenas esperando por Deus, sem trabalhar com ele, ou trabalhando sem ele por termos desistido de esperar por Ele. O resultado sempre será o mesmo: aridez e infertilidade.

sábado, julho 23, 2011

Cresci...


Quando era apenas um garoto ficava imaginando como seria ser grande (acho que ainda não descobri… pelo mesmo na estatura). As coisas que um garoto de 18 anos podia fazer, sempre exercia certo fascínio sobre os meninos da minha geração. Afinal, eles podiam chegar em casa depois das nove da noite, podiam frequentar certos ambientes, namorar sem ter que se “esconder”… Uma listinha um tanto quanto fútil, mas este estágio era algo que desejávamos alcançar. Na minha história este “nível” foi atingido antes dos “dezoito”, porque saí da casa dos meus pais antes dos quatorze para estudar. Quantas “cabeçadas” provocadas pela infeliz falsa sensação de liberdade! Anos mais tarde cheguei à conclusão que a “chave da casa” não é a causa verdadeira da tão sonhada e desejada liberdade. Ser livre é muito mais do que poder ir e vir, abrir e fechar e, tampouco, é sinônimo de fazer o que deseja. Liberdade está relacionada com responsabilidade, e isto extrapola a satisfação de desejos.
Hoje fico refletindo sobre as aspirações por crescimento que inundava nossas almas (a minha e a dos meus companheiros de caminhada). Olho para trás e percebo que muitos apenas envelheceram sem amadurecer. Ficaram adultos fisicamente, mas com a alma atrofiada. Em alguns casos a desnutrição da alma é algo constrangedor. Imagino que você já tenha visto estes “menininhos” de alma, fazendo pirraça nos corredores dos “supermercados e shoppings da existência” tentando conseguir o que desejam. Pois é, crescer é mais do que se tornar adulto. Crescer de verdade implica sintonia entre corpo, alma e espírito. Diante disto, o que se tem visto é muita gente apodrecendo em vez de crescer e amadurecer.
Uma pergunta surge, então: quando posso considerar que cresci, de fato? Cresço quando entendo que a vida é um processo, uma jornada e não uma corrida de tiro curto. Cresço quando percebo que sem paciência, etapas vitais serão suprimidas, “queimadas”, não sem consequências, obviamente. Cresço quando sou conscientizado de que o mundo é um pouco maior do que minhas fronteiras, não apenas geográficas, mas, sobretudo, emocionais. Cresço quando compreendo, e aplico esta verdade  que independência não é sinônimo de que não preciso de ninguém – isto é, sem dúvida, uma excelente maneira do não estabelecimento de relacionamentos meramente utilitários. Cresço quando vivo firmado na verdade de que não sou menos quando sou menor, ou seja, a estatura do meu caráter é sempre o referencial para o meu verdadeiro tamanho. Cresço quando aprendo de verdade com as perdas e momentos de decepções e humilhações. Cresço verdadeiramente quando aprendo a me diminuir em benefício de propósitos muito mais elevados do que meus desejos pessoais.
Creio que poderia exemplificar melhor esta questão do verdadeiro crescimento tomando emprestada a história de um “grande” homem da história. Seu nome? José, ou José do Egito, como é mais comumente conhecido. Este foi um dos grandes homens, um grande nome da história do povo israelita e, por que não dizer, da história do Egito antigo também.
Antes de ser “grande” ele teve que aprender a ser pequeno; bem pequeno. Note bem: ele teve que “aprender”. Sua história foi marcada por uma sucessão de perdas e descidas, antes de ser ascendido a uma posição de muita importância na nação mais importante do mundo do seu tempo. De caçula de dez irmãos, muito protegido pelo pai, provavelmente entendia que havia nascido para ser superior aos outros. Entretanto, a vida lhe preparou muitas surpresas (na verdade ele veio reconhecer e confessar que era o próprio Deus o autor destas surpresas). Do alto de sua convicção de superioridade, foi precipitado para o fundo de uma cisterna. Que queda! Mas, este fato representava apenas o início do “tobogã”. Dali em diante a queda foi vertiginosa: deserto, praça de escravos, escravidão, calúnia, condenação, masmorra, isolamento, abandono, esquecimento… O fundo do fundo do poço da existência. Tudo perdido? Não! Pelo menos não para Aquele que estava no comando deste processo formatador.
José havia chegado ao ponto certo para crescer de verdade. Quando entendeu que ele, por ele mesmo, pelos próprios esforços divorciados da ação divina, não seria verdadeiramente grande, estava, enfim, pronto para o crescimento real, homogêneo (lembra? Corpo, alma e espírito!). Para ser grande para Deus e por Deus, José precisava ser esvaziado de qualquer tipo de ideia de merecimento ou recompensa. Todos os “grandes” de Deus, sem exceção, passaram por este processo.
A grandeza de José pode ser vista em suas atitudes. Quando convocado para estar diante do poderosíssimo Faraó, compareceu despojado de toda ideia de reparação, ou seja, não pensava ser aquele fato uma oportunidade para convencer o mandatário da nação sobre as injustiças das quais tinha sido vítima. Aliás, se há algo que não percebemos neste “grande” homem é o sentimento de que era uma vítima (apesar de ser uma).
Uma grande evidência do crescimento de José pode ser percebida na postura adotada por ele depois de ter sido nomeado o segundo homem mais importante do império. Tal posição lhe conferia muito poder. Seria o momento de “acertar as contas” com todos os que contribuíram para seus longos anos de prisão: Potifar e sua esposa, por exemplo. Podia também ativar a memória do seu ex-companheiro de prisão, que se esquecera completamente dos benefícios recebidos por intermédio de José.
Todavia, a prova cabal de que este homem havia crescido de verdade, e era, naquele momento, um “grande homem” foi revelada no reencontro com seus irmãos, os mesmos que o odiaram, tramaram contra ele e o venderam como escravo. José poderia devolver aos irmãos toda maldade recebida por eles, e isto com juros e correções. Afinal vinte anos já tinham se passado. Mas, José havia crescido. Somente os pequenos sonham com vingança. Somente quem rasteja pela existência deseja a miséria para os outros. José escolheu o caminho superior, o caminho do perdão, da reconciliação. Você sabe por quê? Porque ele estava absolutamente convicto que todos seus adversários, toda calúnia, toda palavra maldita lançada contra ele, não passavam de instrumentos de Deus para fazê-lo crescer.
Esta história é uma das mais lindas de toda a Bíblia (pelo menos para mim). O “grande” José não escolheu ser grande sozinho. Ele estava disposto a ser usado por Deus para que sua família toda, pai e irmãos, pudessem crescer também; pudessem experimentar o crescimento vindo de Deus e para Deus.
José demonstrou que para ser grande de fato, precisava ser o menor de todos. Obrigado José! Obrigado pelo exemplo! Quero abraçá-lo demoradamente quando encontrá-lo no céu.
Não poderia encerrar esta reflexão sem me dirigir a você com as seguintes perguntas: “você cresceu? Você quer ser grande?”. Se realmente seu desejo é ser grande, ou apenas crescer, é muito importante que deixe de lado esta teologia bobinha e pregação irresponsável de que você foi criado para ser um sucesso. Quem disse isto a você não tem o aval do Criador. Este crescimento e grandeza, que são o conteúdo desta teologia e destas pregações, são terrenos. Eu não os quero.
Quero poder dizer com toda propriedade: “eu cresci!”. Quero estar diante de quem me quer mal e oferecer o bem a eles. Quero poder viver anonimamente sem ser afetado pela síndrome da insignificância. Só posso dizer: “cresci” se Cristo cresceu em mim. Fora disto é só enganação e ilusão de ótica.

terça-feira, julho 12, 2011

Despindo-se das "roupagens cenográficas"

A falta de sintonia entre o desejo de ascender, crescer, prosperar, amadurecer e o tempo de treinamento para atingir este fim, tem gerado muitas angústias, decepções, frustrações e até mesmo revolta. Isto é fruto de muita “propaganda enganosa”. As pessoas compram a ideia de que podem ser tele transportadas para um estágio bem mais avançado, evitando assim toda dor, suor, fadiga… investimentos que são partes indispensáveis do treinamento, da preparação para todos os que desejam de fato crescer na vida. A lei do menor esforço pode ser a mais atrativa, mas certamente é a menos recomendável.

Indispensável também é definir que tipo de crescimento está sendo desejado. A quem ele beneficiará? Que resultado produzirá? Quem receberá a honra e louvor no “fim das contas”? Talvez isto não faça diferença para a maioria, mas é de fundamental importância sabermos a quem desejamos agradar. A importância se deve ao fato de vivermos em um contexto no qual somos medidos muito mais pelo que produzimos, conquistamos, alcançamos do que pelo que realmente somos. Decorre daí o risco de apenas representarmos um personagem durante nossa passagem por esta vida, sem jamais ter o privilégio de descobrir, experimentar e desfrutar o prazer e alegria e sermos quem somos de verdade. Desde muito cedo aprendemos a nos cobrir com muitas camadas de “roupas cenográficas”. Com o passar do tempo elas nem nos incomodam mais. O verdadeiro sucesso na vida não está em quanto amealhamos na nossa caminhada, mas sim em nos livrarmos destas roupagens que não nos pertencem. Este processo, todavia, não é nada fácil e muito menos confortável. Muita dor e vergonha estão envolvidos, afinal, quem é que se sente confortável em ser visto SEM NADA?

A intenção do Criador é levar-nos a um ponto em que as “roupagens cenográficas” nos incomodem tanto que passemos a desejar ardente e intensamente nos livrarmos delas. Este desejo é fruto de um convencimento do próprio Criador, colocado no mais profundo da nossa alma, do nosso espírito; um desejo de descobrirmos a razão da existência, o propósito da vida; um desejo de viver eternamente mesmo que para isso tenhamos que passar por um processo de metamorfose radical. Quando chegamos a este ponto estamos prontos para o início de uma caminhada sem retorno, sem atalhos. A partir deste momento nos submetemos ao bisturi do Criador. O processo envolverá dor, perdas, incompreensões, dúvidas que nos levarão ao conhecimento do propósito eterno de Deus para nossas vidas. Somente quando estivermos SEM NADA, no sentido de estarmos “nus” diante do Criador é que reconheceremos nossa inteira dependência Dele.


Na Bíblia encontramos algumas histórias que nos ajudam a entender um pouco do grande valor deste tempo de treinamento, ao qual todos os filhos de Deus são submetidos com o objetivo de conduzi-los ao crescimento, à maturidade, para que eles desfrutem da verdadeira prosperidade. Dentre outras histórias quero me deter na de José (Gênesis, capítulos 39 a 50).

José era o filho preferido de Jacó. Este “privilégio” acabou se tornando em combustível para a inveja que os irmãos sentiam dele. A inveja acumulada se transformou em ódio e desejo de aprontar com o caçula mimado. Quando surgiu uma oportunidade os irmãos mais velhos tramaram e executaram um plano macabro contra o irmão adolescente: lançaram-no em uma cisterna sem água e, em seguida decidiram vendê-lo a uma caravana de nômades que passava pelo local em direção ao Egito. Ao pai, disseram que o rapaz tinha sido devorado por alguma fera do campo.

Este seria o fim de José? Em certo sentido sim. Ali teve o início do fim de um José para o nascimento de outro, muito diferente interiormente do outro. Naquele fundo de poço, iniciava o processo de metamorfose do que viria ser um dos maiores nomes da história bíblica. Do fundo do poço ele passou a ser uma mercadoria nas mãos dos ismaelitas. No Egito, foi exposto na praça dos escravos e arrematado por um alto oficial do Império.

Você pode imaginar o que se passava na mente e coração daquele adolescente? Internamente devia estar em convulsão. Mas era o tempo de Deus na vida dele, o tempo imprescindível de treinamento; tempo que a maioria não deseja, mas que todos necessitam. Era o tempo de se despir das “roupagens cenográficas”. José precisava aprender que não fora criado para ser mimado, mas para cumprir um propósito que repercutisse na eternidade. Para isso Deus precisava treiná-lo.

Na casa de Potifar, José passou a ser mais um escravo. Entretanto, Deus o distinguiu entre todos. Tudo que ele fazia Deus colocava a mão e abençoava. Não demorou para que o seu amo o colocasse sobre todos os demais escravos. Pronto! Agora José atingiu o posto máximo. Negativo! Aquele era apenas mais um estágio no projeto de treinamento. Mais algumas “roupagens” precisavam ser removidas. Entra em cena, então, a esposa do dono de José, uma mulher que viu naquele belo jovem a possibilidade de satisfação dos prazeres sexuais. Se José consentisse em satisfazer os desejos de sua dona certamente seria muito bem recompensado. Em contrapartida abriria mão de chegar onde o Criador tinha planejado para ele. Sua decisão levou-o à prisão. Agora sim, era o seu fim! Não! O tempo de prisão seria necessário para despi-lo inteiramente. Esquecido por todos, mas protegido por Deus, esta era a real condição de José. Quando já não tinha mais nada, não podia esperar por mais ninguém, mas mesmo assim continuava apegado ao Senhor, o milagre aconteceu. José foi chamado para interpretar uns sonhos muito estranhos que perturbavam o poderoso Faraó. José não era mais um adolescente assustado, mas um adulto amadurecido e aprovado perante as mais duras provas. Foi colocado no posto de segundo homem mais forte do Império Egípcio. José somente estava pronto para o trono quando esteve pronto para servir, até mesmo em uma prisão.

Esta história de José nos ensina que é impossível ser “José do Egito” sem primeiro ser o “Zezé sonhador”, o “Zé da cisterna”, o “Zé da praça de escravos”, o “José escravo”, o “José mordomo”, o “Zé do calabouço”.
Talvez você esteja desejando ser poderoso e influente para que as pessoas olhem para você. Se esta for a sua motivação, desista da parceria com o Senhor Jesus. Não é possível alguém ter o poder de Jesus sem ser dele, integralmente dele. Para ser dele, inteiramente dele, você precisa abdicar de todas as “roupagens cenográficas”. Isto pode levá-lo a locais não muito agradáveis ou confortáveis, mas que produzirá o resultado esperado por Ele. Você está disposto?

sexta-feira, maio 27, 2011

Quando o chão desaparece



Há quem realmente goste de experimentar situações de perigo, muita adrenalina e emoções fortíssimas. Para estas pessoas os esportes radicais são uma maneira bem interessante de se “divertir”. Quanto mais “radicalidade”, maior o desejo de estar envolvido com atividades desta natureza.
Eu nunca fui amante de experiências muito radicais. Esportes do tipo asa delta, paraglider, bugging jumping, escalada nunca fizeram parte da minha lista de coisas que desejo fazer antes de morrer. A sensação de não ter chão sob os pés nunca me agradaram muito. Lembro-me da minha pré-adolescência quando acordava assustado por ter tido alguns sonhos muito malucos, nos quais me via despencando de uns precipícios gigantescos. Lembro-me também de saltar com os amigos de alguma encosta ou morro que estava sendo cortado para a construção de alguma estrada. Tomávamos distância e corríamos a toda velocidade antes de pularmos para o nada. A sensação era horrível. O pior da história era ter que fazer tudo de novo para não ter que carregar a fama de medroso.

Muitas outras vezes na vida experimentei a sensação vivida nos sonhos e nos saltos para o nada, ou seja, a sensação de não ter chão sob os pés. Normalmente isso ocorre quando os apoios são retirados, e a sustentabilidade de alguma forma é abalada. Quando isto ocorre, a própria alma parece entrar em queda livre. São momentos delicados, pois a sensação de abandono e desamparo é fortíssima.
Às vezes a queda livre leva um tempo para terminar. Muitas vezes termina apenas quando o “fundo do poço” é atingido. Uma coisa boa pelo menos pode ser dita do “fundo do poço”: não há como descer mais. Quando nos encontramos em queda livre, muita coisa ajuda neste processo. São culpas, acusações (verdadeiras ou falas), legalismos da religião, além do próprio egoísmo que, via de regra, nos leva a pensar no que poderia ser dito a nosso respeito em uma situação de desfavorecimento.
A ausência de chão pode ser pior se não enxergarmos nenhuma possibilidade de recuperação, retomada, renovação, revificação. Sendo assim, ao chegarmos no “fundo do poço” a única coisa que esperaremos é que lancem terra sobre nós a fim de nos sepultar de vez, ao invés de esperar por uma salvação. Será muito interessante acreditarmos que a ausência de chão, que nos conduz ao “fundo do poço” pode representar uma sensacional reviravolta na nossa história.
A Bíblia, no livro de Gênesis, capítulo 37, conta a história de um moço que passou por esta terrível experiência de ver o chão desaparecer sob seus pés, levando-o a um processo de queda livre até atingir o fundo do poço (no caso dele, era literal). O nome do moço era José, o penúltimo filho de Jacó, o primeiro com Raquel, sua esposa amada. José foi fruto de um milagre, uma intervenção direta do Todo-Poderoso. Viveu bom tempo como filho caçula e preferido pelo pai o que provocou nos irmãos uma repulsa enorme contra ele.
Certa vez, quando José já era um adolescente, o pai lhe pediu para ver como os irmãos estavam indo no trabalho com o rebanho. Trajado com sua pomposa túnica toda colorida (presente do pai), José foi ao encontro dos irmãos. A recepção não foi nem um pouco calorosa, muito pelo contrário. Seus irmãos mais velhos, aqueles que tinham como responsabilidade cuidar viram aquela como uma excelente oportunidade de se livrarem de vez do menino mimado. Decidiram matá-lo. Antes disso, jogaram-no em um poço sem água onde ficou no meio da lama, sem perspectiva, cheio de medos, possivelmente incomodado por perguntas infindáveis, todas sem respostas. A morte era certa, a dúvida no momento era como seria e quanto tempo demoraria. Entretanto o Senhor Deus tinha outros planos para aquele adolescente, e a ausência de chão e o fundo de poço faziam parte deste projeto divino.
Você alguma vez já considerou a possibilidade de Deus ter permitido que você fosse ferido e abandonado por aqueles que deveriam protegê-lo e amá-lo? Neste tempo você se perguntou por que Deus o tinha abandonado, ou por que ele não veio imediatamente ao seu socorro? Pensou em abandoná-lo por imaginar ter sido abandonado por ele?
É importante que você saiba que o fato de ter sido traído e abandonado pelas pessoas, até mesmo por aquelas nas quais você confiava plenamente, não implica dizer que você foi abandonado por Deus. Ele prometeu que através do Seu Filho Jesus e do Espírito Santo jamais abandonaria os que são seus. A queda, o “fundo do poço”, a vergonha, a humilhação, a dor, o abandono são partes importantes do processo de amadurecimento na vida daqueles aos quais o Senhor Deus quer muito bem. Sei bem que isso pode soar um tanto paradoxal, mas é a realidade.
A história de José nos mostra que aquele episódio desencadeou um precioso processo na formação do caráter de um dos maiores líderes da história do povo de Deus. Deus preservou a vida de José, mas não impediu que ele fosse vendido pelos próprios irmãos como um escravo para um bando de nômades que passava por aquele local. José experimentaria ainda outras sensações de “falta de chão” e “fundo de poço” antes de se tornar no grande líder do Egito e do povo de Deus.
Talvez você não venha ser um grande líder depois do “fundo do poço”, mas certamente poderá ter o caráter aperfeiçoado, se entender que, ainda que lhe tenha faltado o "chão", o apoio, o socorro, a compreensão, o perdão por parte das pessoas, o Senhor Jesus não lhe negou a Sua presença de poder e consolo.

Gidiel Câmara

terça-feira, maio 10, 2011

Exigir menos... doar mais...

Uma das maiores razões para o “encavernamento”, para a depressão é o fato da pessoa não se sentir amada, aceita, compreendida… Às vezes estes sentimentos não refletem a realidade (pelo menos a externa), ou seja, o sentimento de rejeição é intenso por dentro, mesmo sem ser percebido por quem está “do lado de fora” (mesmo assim os feitos provocados por ele são bastante reais). O ser humano é profundamente ligado à afetividade. A relação do bebê com a mãe é muito intensa. Todo o processo que desemboca no nascimento é marcado por uma ligação afetiva muitíssimo forte.
Foi ideia de Deus criar o ser humano desta forma: tendo necessidade de se relacionar para receber amor, carinho, afeição, e, ao mesmo tempo capacitado para se relacionar oferecendo as mesmas coisas das quais necessita. É lindo este mistério! Uma pena que tenha havido uma avaria, com a decisão dos nossos primeiros pais em estabelecer conexões equivocadas para a satisfação de suas necessidades primárias no que diz respeito à afetividade. Desde então, é muito comum desejarmos mais do que necessitamos e ofertarmos menos do que podemos e devemos. Já reparou como a maioria dos conflitos das pessoas gira em torno disto: exigem mais do que precisam e entregam menos do que devem? O resultado é uma reação em cadeia, um efeito dominó. Uma relação afetiva mal resolvida acaba gerando outras e outras e mais outras… e a sociedade se torna isto que nós conhecemos: pessoas desesperadas por amor e aceitação ferindo outras pessoas igualmente desesperadas pela falta de amor e sem a possibilidade de amar.
Explicamos, normalmente, nossas atitudes extremamente egoístas, da forma mais simplista e infeliz: “se não recebo, também não dou”. Este é o princípio que rege a maioria dos relacionamentos. Mas é preciso entender que existe outro princípio, revolucionário, libertador, que pode reger de maneira saudável nossas relações. O princípio do genuíno cristianismo ensina que antes de receber, devemos dar. Isso mesmo! Quando desviamos nosso foco de nós mesmos, um pouco que seja, enxergamos possibilidades grandiosas para conhecer o verdadeiro amor. Amar de verdade está muito mais ligado a dar do que receber. Amar de verdade não está relacionado a receber para depois dar. Eis aí outro grande mistério: eu e você podemos dar amor, mesmo sem termos recebido amor. Eu disse que este princípio é revolucionário e libertador.
Talvez você esteja a se “descabelar” perguntando: como isso é possível? Como posso amar sem ser amado? Como posso esperar um relacionamento saudável se minhas necessidades afetivas nunca foram satisfatoriamente atendidas? De verdade, não conheço sua história, mas o Senhor Jesus a conhece. E ninguém mais do que ele conhece também a rejeição, o desamor, o ódio, o desprezo, a incompreensão, a dor por ter sido marginalizado… No entanto, ninguém amou mais do que ele, aceitou mais do ele, compreendeu mais do que ele, se aproximou dos des-graçados mais do que ele, perdoou mais do que ele. Por isso ele é autoridade máxima para nos dizer que devemos exigir menos e dar mais nas nossas relações de afetividade.
A Bíblia registra a história de uma pessoa, uma mulher, que conheceu de perto o desprezo, a preterição, a rejeição por aquilo que era por fora. Ser rejeitado pela casca é sempre muito, muito cruel, e isto provoca feridas que normalmente são carregadas abertas por uma vida inteira. O livro de Gênesis (capítulos 29 e 30) narra um pouco da história de Lia, a “prima-esposa-cunhada” de Jacó. Ela era muito menos formosa do que sua irmã, Raquel. Os moços tinham olhos esticados para Raquel, ao passo que Lia sempre era preterida. Isso lhe soa familiar? Você já foi preterido(a) por ser mais feio(a), menos inteligente, menos talentoso(a)? Talvez você entenda bem o coração de Lia, sua dor, suas lágrimas escondidas, seus rancores a endurecer as “paredes” do coração, sua esperança a adoecer ainda mais a cada novo dia…
 
A história de Lia, no entanto, começou a ter uma reviravolta no dia do casamento da irmã. Não imagino que tenha sido o que ela sonhara, mas seu pai ordenou que ela fosse para a noite de núpcias em lugar de sua bela irmã, Raquel. Isto é realmente inconcebível para a nossa cultura, mas não para aquela. Labão, o pai, estava enganado ao pensar que os problemas de Lia estariam resolvidos com aquela brilhante decisão tomada por ele. Sua vida estava prestes a ser envolvida por uma interminável séria de conflitos com a irmã.
A primeira manhã que se seguiu à noite de núpcias foi traumática para Lia. Jacó procurou Labão, seu tio-sogro, indignado por ter sido ludibriado. Alguém pode dizer que Jacó estava certo! De fato, ninguém poderia negar a ele este direito. Mas, e Lia? Você já imaginou o que sentiu esta moça? Ouvir em alto e bom som, diante de outras pessoas, mais uma vez, que a irmã era melhor do que ela, mais bonita, mais formosa… Era tudo o que Lia certamente não desejava. Jacó estava dizendo: “eu não quero esta! Não trabalhei por esta! Não desejo esta! Não gosto desta! Eu quero aquela!”.
Mais uma vez Labão, o pai, não resolveu o problema de Lia. Ao contrário potencializou, intensificou seu problema, sua dor, sua angústia, seus traumas. Ele dá Raquel também a Jacó por esposa. Isto foi o pontapé inicial para a divisão de uma família ainda no seu nascedouro.
Raquel tratou logo de assumir o lugar de “primeira-esposa”. Jacó nunca escondeu suas preferências por ela. E Lia? Bem, Lia era um apêndice, um estorvo, um equívoco, um erro. Sim, tudo isto aos olhos dos “pombinhos” Jacó e Raquel. Aos olhos de Deus ela era gente, com sentimentos, emoções, necessidades e potencialidades afetivas, sensibilidades. Lia era gente assim como seu primo-esposo-cunhado e sua irmã.
O escritor de Gênesis registra uma frase espetacular ao narrar a história de Lia: “Quando o SENHOR viu que Lia era desprezada, concedeu-lhe filhos”. Deus concedeu a Lia o que negou a Raquel: filhos. Nada era mais importante para uma mulher casada naquele tempo do que ter filhos (como mudam os tempos, não é mesmo!). Enquanto a bela, preferida e envaidecida Raquel contava com a atenção máxima de Jacó, Lia contava com o favor de Deus. Enquanto Raquel se desesperava com sua esterilidade, Lia ia tendo um filho após outro.
Esta história me ensina que o desprezo e a rejeição por parte das pessoas, por mais doído que seja, não representa o fim para ninguém. Há um Deus no céu que vê e conhece nossas dores. Seu desejo é que os desterrados sejam aceitos, os desamados sejam amados, os marginalizados sejam aproximados, os preteridos sejam abraçados. Ele quer nos ensinar que nas relações afetivas é muito mais importante dar do que exigir recebimento. Lia entendeu que não adiantava exigir alguma coisa. Ela teria que aprender que suas necessidades afetivas seriam supridas na mesma proporção em que decidisse se doar. A história desta família nos mostra que aparentemente Raquel também aprendeu este princípio.
Desejo a você um tempo novo, fora da “caverna”; aprenda a exigir menos, por mais necessidade que você tenha. Comece, hoje ainda, a dar mais. Simplesmente dê! Não espere retorno, apenas dê! Você será assistido e suprido pelo Senhor Jesus em suas carências; seu depósito será renovado por ele sempre que você se dispuser a entregar, dar, amar, aceitar, receber, perdoar.
Gidiel Câmara

terça-feira, maio 03, 2011

Vale Tudo?


Até que ponto podemos e devemos ir para conseguir o que idealizamos, projetamos, desejamos? Terá algum limite o processo para conquistar ou realizar sonhos? Vale todo o preço pedido pelo sucesso? Às vezes estas questões podem parecer um tanto quanto polêmicas. Todavia, não creio que haja polêmica, desde que exista harmonia entre o caminho percorrido, o preço exigido (e pago) e os princípios e valores aos quais a pessoa esteja apegada.
Por exemplo, para muitos os fins sempre justificarão os meios. O objetivo sempre será mais importante que os caminhos percorridos para alcançá-lo. Os que adotam este princípio não sentirão nenhum tipo de culpa, e nem chegarão ao arrependimento, quando tiverem que ferir outra pessoa, pois suas atitudes estão alinhadas com suas convicções. Ao contrário do que alguns possam imaginar, estas pessoas não têm problema com insônia por causa de suas ações. De acordo com seus valores, são felizes e realizadas.
Para outros, entretanto, o sucesso sempre deverá estar atrelado a uma conduta reta, um caráter íntegro. Estes rejeitarão as oportunidades de ascensão na vida se isto implicar em ações desonestas. O caminho em direção ao sucesso, para eles, é muito importante para desconsiderarem os sinais que apontam perigo.
Sei bem que em uma sociedade que normalmente coloca o foco na satisfação dos desejos e não nas condutas corretas para satisfazê-los, valorizar mais o caráter do que o carisma é sempre um grande desafio. Desde a infância aprendemos que devemos lutar pelo que sonhamos e desejamos, sem nos importarmos com a maneira de se conseguir a realização do desejo. Vivemos em um mundo marcado por uma presença maciça de “meninos mimados”. São adultos pirracentos que não se importam em despejar suas frustrações sobre os outros de uma maneira grosseira, quando seus desejos não são atendidos.

Estes meninos mimados e meninas mimadas foram ensinados que por serem belos sempre estão na condição de escolhedores e nunca de escolhidos. Foram ensinados que pelo fato de possuírem bens podem sempre usar as pessoas, e jamais sequer cogitam a possibilidade de servi-las. Nesta realidade imperam as “castas”, ainda que de forma sutil; o canibalismo social, entretanto, pode ser percebido de forma nítida. Os meninos e meninas, que se esqueceram de amadurecer, necessitam de suas babás para realizarem prontamente seus pedidos.
Este problema crônico se agrava ainda mais quando é transferido para a relação entre o ser humano e Deus. Acostumados a conseguir tudo o que desejam por intermédio de sapateios, choro sem lágrimas e berros, estas crianças em corpos de adultos imaginam que conseguirão ser abençoadas do jeito que imaginam, usando as mesmas “táticas”. A questão é que Deus não é um pai leviano e irresponsável como os pais destes mimados e mimadas. Deus não é um pai com o “chinelo” na mão, mas ele não hesita em usá-lo se a disciplina se fizer necessária, para o próprio bem dos seus filhos.
Adultos com comportamentos infantis são protagonistas de cenas ridículas e patéticas. Inúmeras famílias estão se desmoronando porque duas “crianças” se casaram sem terem condição de ser marido/pai ou esposa/mãe. Muitas igrejas são um palco de disputas e guerrilhas porque “crianças” estão na liderança tentando conseguir o que querem por meio de pirraças, berros e sapateios (as tão temíveis chantagens emocionais).
Sou fanzaço da Bíblia porque ela não apenas apresenta a perfeição de Deus, como também não esconde as limitações e falibilidades humanas. As crises de “crianças pirracentas” não foram ocultadas por Deus em sua Santa Palavra. Várias vezes encontramos relatos de pessoas imaturas tentando conseguir o que desejam por meio de táticas infantis. Um destes exemplos pode ser visto no livro de Gênesis (capítulos 29 e 30). Ali encontramos a história de Raquel, uma moça belíssima, atraente, capaz de conquistar o coração de um homem sem muito esforço. Jacó, seu primo que havia acabado de chegar de uma terra distante, ficou apaixonadíssimo por ela tão logo a viu.
Fica um pouco difícil, eu sei, de entender a história, uma vez que vivemos em culturas totalmente distintas e distantes. Naquele tempo havia uma negociação entre o pretendente e o pai da noiva; e foi exatamente o que aconteceu. Jacó decidiu trabalhar (literalmente) para ter Raquel como esposa. Durante sete anos serviu ao seu tio e candidato a sogro, Labão. No fim deste longo período celebrou-se então uma bela cerimônia e Jacó foi para a sua tão esperada e desejada noite de núpcias. Para sua enorme surpresa, ao acordar e olhar para o lado não foi Raquel quem viu e sim Lia, a que era para ser apenas sua cunhada. Lia, a desprezada, por não ser tão bela quanto Raquel, fora dada por esposa em lugar da irmã.
Jacó até tentou devolver a “mercadoria”, mas não teve jeito. O enganador foi enganado desta vez. Todavia, Labão se mostrou favorável a uma nova negociação por Raquel: seriam mais sete anos de trabalhos. Jacó concordou, mas fez uma exigência: “pagamento” adiantado, ou seja, receberia Raquel imediatamente.
E lá estava Jacó com suas duas esposas (que agora, além de irmãs, eram também cunhadas). Jacó demonstrava uma descarada preferência por Raquel. Deus, que tudo vê, agiu em favor de Lia: tornou-a fértil, ao passo que negou fertilidade a Raquel. Lia ia tendo filhos ano após ano. Raquel ia se enfurecendo a cada novo sobrinho que nascia.

Raquel foi acometida por crises de meninice. A menininha mimada tratou de fazer suas pirraças para conseguir o que queria. Usou de vários estratagemas para conseguir o que desejava, e nada de dar certo. Em uma destas crises, tomou Jacó pelo colarinho e, desesperadamente bradou: “dê-me filhos, ou então me mate”. Jacó, certamente sensibilizado, respondeu à esposa amada: “querida, por acaso estou eu no lugar de Deus que lhe fechou o ventre?”.
Estas palavras parecem ter acordado Raquel de sua letargia infantil. A partir daí a menina mimada amadureceu. Deus foi misericordioso com ela; entretanto, somente depois que deixou de ser uma menina pirracenta no corpo de uma mulher que seu desejo foi atendido. Raquel ficou grávida e teve um lindo menino. O nome dado à criança – José – demonstra que a menina havia crescido de vez. José significa: “que o Senhor acrescente mais ainda”. Raquel não mais usou estratégias de menina mimada e pirracenta; entendeu que não vale tudo para conseguir o que deseja. Entendeu, definitivamente, que o melhor é sempre depender de Deus, o Senhor de todas as coisas e pessoas, Aquele que pode acrescentar ainda mais bênçãos àquelas que já foram derramadas por Ele.
Esta história é útil, ainda hoje, para nos ensinar preciosas lições. Eu e você precisamos entender que Deus não cede às nossas pirraças, às nossas chantagens emocionais. É tempo de mudarmos nosso comportamento, amadurecermos e colocarmos toda nossa dependência em Deus. Ele é poderoso para fertilizar nossos “ventres” secos.

sexta-feira, abril 22, 2011

Para baixo todo "santo" ajuda


Por que será que as descidas normalmente são muito mais desejadas do que as subidas? Uma resposta óbvia seria: a lei do menor esforço; ou seja, descer é sempre muito mais fácil e demanda menos esforço do que subir. Mas, há também uma outra explicação para a fascinação que a descida exerce sobre o ser humano: o prazer provocado pela sensação de “vento na cara” (isto tem a ver com velocidade, com precipitação, com ‘injeção’ de adrenalina na corrente sanguínea).
Lembro-me de muitas brincadeiras da minha infância, passada em uma pequena cidade do interior de Minas. Muitas delas estavam ligadas à emoção de descer: carrinho de rolimã, saltos de um barranco onde uma estrada estava sendo construída, correnteza do rio “Zé Pedro”, descida em barranco sobre um papelão, descida do pasto de ‘capim-gordura’ em uma ‘canoa de coqueiro’… Confesso que a maioria destas aventuras era fruto muito mais de uma pressão da ‘tribo’ do que do desejo de experimentar a sensação de estar despencando de um local seguro para a incerteza de uma chegada em segurança.
Se você vai a um parque de diversões, pode perceber que os brinquedos que fazem mais sucesso são os que são marcados por serem brinquedos que prometem fortes emoções. A maioria deles conta com subidas lentas e descidas radicais. Quando ‘despencamos’ destes brinquedos, parece que nosso cérebro se junta ao estômago; ou melhor, parece que por dentro somos uma mistura total.

Quando olhamos para nossa vida, parece que nutrimos atração por “descidas radicais”, capazes de nos proporcionar momentos de muita excitação, prazer intenso (ainda que não muito duradouro), satisfação imediata. Sempre reclamamos da subida íngreme, mas nos deliciamos com as descidas velozes. Transportamos para a vida real o que sentimos nos parques, com as montanhas russas, os toboáguas. De maneira muito curiosa, as descidas exercem um poder de sedução enorme sobre o ser humano. Os perigos são colocados de lado diante da possibilidade de uma experiência capaz de tocar profundamente as emoções.
Às vezes, descer é sinônimo de grandeza; por exemplo: descer do orgulho, da altivez, da soberba indica grandeza de caráter. Em outras oportunidades, descer pode significar perder valores, negociar princípios importantes para uma vida sadia (não apenas a saúde do corpo, mas, sobretudo da alma, do espírito). Alguns exemplos poderiam ser citados, mas me valerei de dois apenas neste momento: suborno e corrupção, drogas. Os subornadores e subornados, os corruptores e corrompidos estão tão alucinados com a possibilidade de prazer imediato, sensação de “vento na cara”, promovidos por uma descida vertiginosa. Os que foram vencidos pelas drogas, vivem em função de uma interminável descida.
O grande problema é não saber quando estamos descendo para aprimorar nossa vida e quando estamos despencando para nossa própria ruína. A Bíblia registra a história de uma jovem que não soube fazer esta distinção e despencou para a ruína (Gênesis 34). Diná era a única filha de Jacó/Israel. A família tinha chegado a uma terra nova. Certo dia Diná decidiu descer para conhecer as meninas da terra. Sua intenção era formar novas amizades, estabelecer novos relacionamentos. Qual o mal nisso? Nenhum! O que faltou a Diná? Prudência. “Desceu” sozinha, saiu para um local desconhecido sem proteção. Enquanto passeava pela nova terra, Diná despertou a atenção, o interesse e a paixão de um príncipe daquele lugar. Logo no primeiro encontro ele teve relações sexuais com a moça (hoje isso é tão comum que até posso ouvir alguns dizendo que sou retrógrado e demasiadamente conservador). Isto foi motivo de vergonha e uma ofensa enorme para a família de Israel.
Os resultados de uma atitude “inocente” de Diná foram desastrosos: os irmãos, furiosos, armaram um plano de vingança: propuseram ao príncipe que convencesse a todos os homens da terra a se deixarem circuncidar. Esta era a condição para que a irmã fosse dada como esposa. Trato feito e cumprido por Siquém. Com todos os homens da terra recém-operados, entraram na casa do “cunhado”, tomaram a irmã de volta e promoveram uma enorme matança entre o povo. Isto gerou uma revolta enorme contra Israel e toda sua casa. Por causa disto tiveram que se mudar uma vez mais.
A questão aqui não é discutir se Diná e sua família era ou não melhor do que Siquém e seu povo. O fato é que, a despeito de ser um príncipe, Siquém cometeu um desatino entre a família de Israel. Isso, entretanto, não justificaria a atitude dos irmãos de Diná, que foi prontamente condenada por Israel.
Fico refletindo sobre o quanto agimos como Diná na nossa vida diária. Decidimos sair sozinhos para conhecermos as “meninas” da terra sem nos darmos conta de que há muitos “príncipes” à espreita para seduzir e violar. Este é um exemplo de uma descida para a ruína. O que motivou Levi e Simeão (irmãos de Diná) a repararem o desatino provocado por Siquém da maneira que julgavam ser a mais “justa” foi a convicção de que nenhum conforto de qualquer palácio dos príncipes desta terra é capaz de cobrir a vergonha de uma violação.
Diná saiu, desceu e despencou. Despencaram com ela Siquém, seus conterrâneos, além de Simeão e Levi, seus próprios irmãos. A perda foi irreparável.
Podemos aprender algo com esta história: por mais emocionante, intensa, prazerosa e radical que seja uma descida, é preciso ter certeza de que não se trata de um mero capricho ou desejo de satisfação pessoal, à custa dos valores de Deus.
Há um ditado popular que diz: “para baixo todo santo ajuda”. Isto é uma verdade. Para descer não é necessário nenhum esforço. O problema é a subida. Será que para ‘cima’ todo santo ajuda também? Será que “São Simeão” e “São Levi” ajudaram Diná a subir de volta? Não! Definitivamente não! Sabe por quê? Porque para cima só existe um santo que ajuda.
Caso você tenha despencado, a exemplo de Diná, recorra a este único santo capaz de trazê-lo de volta. Seu nome: Jesus Cristo.


Gidiel Câmara

sexta-feira, abril 15, 2011

Nem réu, nem juiz; seja você mesmo

Desde nosso nascimento começamos a nos acostumar com muitas coisas que são inerentes a “este mundo”. Por mais amparada e protegida que uma criança seja, os “costumes deste mundo” não tardarão a se manifestar nela. Dos pais ela herdou aquilo que chamamos na teologia de “semente de Adão”, ou seja, sua alma já nasceu tatuada com a marca da queda. Portanto, podemos afirmar que, a despeito do aprendizado maior ser pelo exemplo, há nesta criança uma tendência em pender para as ações contrárias àquelas que Seu Criador (o Senhor Deus) espera ver nela.
Dentre tantas ações “negativas” que uma pessoa desenvolve no decorrer de sua existência destacaria neste momento a hipocrisia. Este vocábulo significa o esforço que alguém faz por aparecer como bom sem o ser verdadeiramente. Bem no início a criança pode desenvolver a hipocrisia como uma ferramenta para se defender. Isso, entretanto, não legitima suas atitudes hipócritas, e não torna a hipocrisia uma virtude.
Imagino que você já tenha se portado de maneira hipócrita tentando parecer o que não era (e, às vezes, nem desejaria ser) apenas para fugir de um dedo em riste apontado diretamente para você. Estou certo que você consegue me entender, afinal, além de termos a alma tatuada com a marca da queda, vivemos em um mundo marcado por infindáveis julgamentos. O medo de um julgamento faz com que as pessoas convivam com a hipocrisia. O que não pode deixar de ser dito é que tanto os julgadores, como os verdugos também são vítimas da hipocrisia.
Diante deste fato, de um mundo revestido por um manto hipócrita, é absolutamente libertador o fato de sermos “desmascarados”. Quando nos acham sob o manto da hipocrisia, por mais humilhação que isto possa provocar, no fundo, isto implica em uma grande libertação. Somos libertos do medo, da falsidade, da teatralidade, da superficialidade, da inútil tentativa de viver para agradar os outros (que é muito diferente de viver para os outros). Somos libertados da prisão que eu chamaria de “o que vão pensar de mim” para a realidade de uma poderosa transformação interior: somos transportados da dimensão regida pelo desejo de sermos quem os outros desejam, para a dimensão que nos permite ser quem o Criador espera que sejamos.
Parece fácil, mas não é. Se assim o fosse, o mundo não estaria do jeito que está. Sem esta transformação (oferecida gratuitamente por Jesus Cristo) entramos num ciclo que nos leva de vítimas a algozes, ou seja, de julgados e condenados passamos a sermos juízes dos outros. De maneira muito infeliz somos mais implacáveis e inclementes com os que cometem o mesmo tipo de “delito” cometido por nós mesmos (mas mantido em sigilo, acobertados por grossas camadas de hipocrisia). Enquanto outros são acusados, condenados, humilhados e torturados, continuamos no ‘anonimato’. Por isso, antes de sermos libertados deste cárcere, por intermédio da graça de Cristo, não nos assustamos com a “desgraça” dos outros (repito: para mim isso é graça e não des-graça), ao contrário, sentimos uma terrível sensação de prazer. Por que você acha que a imprensa sensacionalista rende tanto?
A Bíblia registra uma história, no capítulo 38 do livro de Gênesis, que nos serve de ilustração com relação a este assunto. Judá, um dos filhos de Jacó, tomou uma mulher em casamento e teve filhos com ela. Crescidos os jovens, um deles, Er, se casou com uma moça chamada Tamar. Er era perverso perante o Senhor, e por isso morreu ainda jovem. A cultura da época dizia que se um jovem morresse sem deixar descendência, o irmão deveria tomar a cunhada por esposa, para que o morto não ficasse sem descendência. Por isso, Onã, teve que se casar com Tamar. Este também era perverso e se recusou cumprir o “levirato”, pelo que também acabou morrendo. Judá tinha ainda outro filho bem mais jovem, não podendo exercitar o Levirato. Tamar, então, voltou para casa dos seus pais a fim de esperar que Selá tivesse idade suficiente para se casar com ela. O tempo passou, Selá cresceu e Tamar foi esquecida por todos, inclusive por seu sogro.
Alguns anos mais tarde Judá ficou viúvo. Certo dia saiu com um amigo para ver a tosquia de suas ovelhas. Informada disso, Tamar disfarçou-se e Judá, julgando ser ela uma “garota de programa” teve uma relação sexual com ela. O “preço” combinado foi um dos cordeiros do rebanho, mas antes disso Tamar exigiu um penhor: o selo, o cordão e o cajado de Judá. Tudo acertado, Judá seguiu seu caminho e Tamar se despiu de seu disfarce.
Tempos depois Judá foi informado que Tamar, sua nora, estava grávida. Imediatamente ordenou que a mulher fosse levada à presença de todos para que fosse morta (assim era tratado o adultério naquele tempo). Antes de ser levada, entretanto, ela pediu que perguntassem ao seu sogro se reconhecia aquele “selo, cordão e cajado”.
O desfecho da história foi outro. O julgador foi desmascarado. Diria mesmo que ele foi liberto do posto de ‘juiz’ e pôde ser ele mesmo, um homem, um ser humano, igual a Tamar, passível de erro, de deslizes, de falhas, de cometer pecados. Enquanto estava julgando outra pessoa por um erro “imperdoável” deixou de olhar para si mesmo sendo, desta forma, impedido de reconhecer os seus próprios desvios e pecados. No caso, a injustiça para com a própria Tamar – Selá já havia crescido e Judá não o casara com ela.
Judá percebeu que Tamar era mais justa que ele. Que bênção para ele! Seu selo, cordão e cajado foram encontrados. Uma aparente humilhação diante dos amigos sobre os quais ele tinha certa influência. Digo ‘aparente’ porque na realidade foi uma tremenda libertação: conheceu uma terceira via – ser ele mesmo (antes conhecia apenas duas: ser vítima ou algoz; réu ou juiz).
Talvez você, que lê este artigo, conheça também apenas estas duas vias e viva pulando de uma para outra: ora é vítima, ora é algoz; ora é réu, ora é juiz. A boa notícia para você é que Jesus quer apresentar-lhe uma terceira via: a sinceridade; você ser “você” sem medo de ser julgado, humilhado, hostilizado e condenado. Ele disse: “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas” (Mateus 11:28,29).
Você é um abençoado se seu “selo, cordão e cajado” forem descobertos. Os momentos de humilhação serão transformados em momentos de glória.
Infeliz é você, se imagina que julgando os outros por cada deslize deles conseguirá manter escondidos seu “selo, cordão e, cajado”. Aliás, uma pergunta se faz pertinente neste momento: você sabe onde eles estão?

Gidiel Câmara