quarta-feira, setembro 29, 2010

Ajustando o relógio


Dias atrás estava pensando em como seria bom poder viver a cinqüenta anos atrás com a tecnologia de hoje. Fiquei imaginando o conforto de um bom carro, internet, celular, TV a cabo, ar condicionado, avião… aliado a ruas bem mais vazias e com motoristas bem menos estressados; liberdade de poder caminhar sem a tensão provocada pelo medo de ser abordado por um assaltante, casas sem muralhas à frente, aeroportos menos congestionados por pessoas lamurientas e murmuradoras… De repente, bum! Fui trazido de volta ao século XXI, de volta à realidade; as duas coisas não podem estar unidas. O preço do avanço da tecnologia está exatamente em perder aquilo que gostaria de ter de volta: sossego, segurança sem a necessidade de me tornar um prisioneiro, relacionamentos mais profundos, duradouros e menos tensos.

Hoje não consigo imaginar a vida sem a participação ativa da tecnologia. Não imagino uma TV sem controle remoto, um verão sem ventilador/ar condicionado, uma agência bancária sem caixa eletrônico, uma casa sem telefone, uma vida acadêmica sem internet… Ah! A tecnologia! Como ela nos ajudou e ainda ajuda! Mas, por outro lado, como ela nos atrapalha, limita, robotiza, nos conduz pela infeliz estrada de uma pseudo independência, nos transforma em seres imediatistas e, consequentemente, impacientes! Acostumados à velocidade de um mundo “high tech”, não temos mais paciência com as limitações dos outros e nem mesmo com as nossas próprias. Gostamos da potência e velocidade de um carro quatro ponto um e não apenas nos impacientamos, como também desprezamos os carros “mil”. Certa vez estava subindo uma ladeira do bairro onde moro, de olho no relógio, pois tinha um compromisso dali a cinco minutos e me deparo com um carro mil à minha frente. Quando ia ‘desesperar’ por ter que perder irrecuperáveis trinta segundos atrás daquela ‘lesma’, pude ler um adesivo colado no vidro traseiro da ‘causa do meu atraso’: “calma! Você está atrás de um carro mil”. Isso foi uma grande bênção pra mim naquele momento e a partir daquele momento. Aprendi que os “mil” podem e devem ter vez no mundo dos “quatro-ponto-um”.

Em um mundo marcado pela velocidade, precisamos aprender que o relógio que determina o ritmo do universo não está no meu pulso, e sim no pulso de Deus. Quantas vezes olhei pra Deus de forma impaciente, apontando para o MEU relógio! Com esta atitude estava dizendo ao Criador que o considerava como “mil” e a mim mesmo como um “quatro-ponto-um”. Muitas vezes já disse pra Deus: “Senhor! Dá pra sair da minha frente? Eu tenho um compromisso e o Senhor está me atrasando”. Alegra-me profundamente reconhecer que Deus nunca atrasa. Ele é o mais veloz de todos, mas sabe andar no compasso do mais lento de nós. Hoje estou aprendendo que sou eu que tenho de ajustar meu relógio ao dele, e não o contrário.

Na Bíblia vejo a história de uma pessoa que também mostrou seu relógio a Deus, e isso mais de uma vez (Gênesis 12-23). Sara era a esposa de Abraão. Sou um fã desta mulher, mesmo que seja ela conhecida mais pelos destaques negativos do que os positivos. Por isso quero aqui mencionar alguns dos destaques que considero positivos. Gostaria de fazer isso, convidando-o a tentar se transportar ao contexto no qual estava inserida esta mulher de Deus. Desde o início do relato de sua história vejo Sara profundamente comprometida com o projeto de Deus para seu marido e sua família. Não há menção de uma recusa ou murmuração por parte dela quando recebeu a notícia de uma mudança repentina; ela estava disposta a ir rumo ao desconhecido, abandonando seus pais, amigos e familiares mais próximos. Nos episódios nos quais Abraão disse ao rei do Egito e de Gerar que Sara era sua irmã, expondo-a ao risco de ser violada por eles, ela se colocou à disposição para o sacrifício. A razão era uma só: seu comprometimento com o projeto. A intenção era ser parceira do marido. Mesmo quando os destaques são negativos, a intenção era contribuir para que o projeto de Deus fosse realizado.

Os erros de Sara foram motivados por sua impaciência. Imagino Sara vivendo nos nossos dias! O simples fato de esperar por um elevador já seria demais para ela. Sara era uma imediatista. Sua paciência tinha limite (pequeno, vale ressaltar). Imagino a cena de Sara conversando com Deus: “Qual é Deus! O Senhor não pode ser tão lento assim. Vou esperar mais um pouco. Se não engravidar, entenderei que o Senhor está me autorizando a agir do ‘meu jeito’. O Senhor sabe que eu tenho como resolver este impasse do herdeiro. Amém”. O que Deus fez? Isso mesmo, ele não fez nada. Frequentemente Deus não faz nada diante de nossas pressões, chantagens e ameaças. Ele simplesmente não faz nada. Como nós estamos olhando apenas para nossas ideias geniais, e preocupados em mostrar nosso relógio para Deus, não conseguimos vê-lo mostrando seu relógio para nós.

Sara, a agitada e imediatista Sara, agiu obedecendo ao seu relógio, ao seu calendário. Seu plano se transformou na causa de suas gastrites e úlceras. A bela Agar começou a pensar que seu tempo de gata borralheira chegara ao fim e começou a desprezar sua senhora. Esta foi apenas a primeira das desavenças entre as duas. Sara teria que enfrentar ainda vários outros conflitos com sua antiga serva e seu filho.

Aprendo a história de Sara que imediatismo é uma palavra que não funciona no relacionamento com Deus. Bem aventurados são aqueles que aprendem a olhar as horas no relógio de Deus. Talvez seja por conhecer esta bem-aventurança que Moisés, com mais de cem anos, orou a Deus (no dia do seu aniversário?) da seguinte forma: “ensina-nos a contar os nossos dias para que alcancemos coração sábio” (Salmo 90:12).

Tenho tanto de Sara! Mais do que gostaria. Deus, ajude-me a andar como Moisés! Preciso aprender a olhar as horas no Seu relógio, por mais que meu “motor” pareça que vá explodir subindo a ladeira no Seu compasso.

Gidiel Câmara

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