Há quem realmente goste de experimentar situações de perigo, muita adrenalina e emoções fortíssimas. Para estas pessoas os esportes radicais são uma maneira bem interessante de se “divertir”. Quanto mais “radicalidade”, maior o desejo de estar envolvido com atividades desta natureza.
Eu nunca fui amante de experiências muito radicais. Esportes do tipo asa delta, paraglider, bugging jumping, escalada nunca fizeram parte da minha lista de coisas que desejo fazer antes de morrer. A sensação de não ter chão sob os pés nunca me agradaram muito. Lembro-me da minha pré-adolescência quando acordava assustado por ter tido alguns sonhos muito malucos, nos quais me via despencando de uns precipícios gigantescos. Lembro-me também de saltar com os amigos de alguma encosta ou morro que estava sendo cortado para a construção de alguma estrada. Tomávamos distância e corríamos a toda velocidade antes de pularmos para o nada. A sensação era horrível. O pior da história era ter que fazer tudo de novo para não ter que carregar a fama de medroso.
Muitas outras vezes na vida experimentei a sensação vivida nos sonhos e nos saltos para o nada, ou seja, a sensação de não ter chão sob os pés. Normalmente isso ocorre quando os apoios são retirados, e a sustentabilidade de alguma forma é abalada. Quando isto ocorre, a própria alma parece entrar em queda livre. São momentos delicados, pois a sensação de abandono e desamparo é fortíssima.
Às vezes a queda livre leva um tempo para terminar. Muitas vezes termina apenas quando o “fundo do poço” é atingido. Uma coisa boa pelo menos pode ser dita do “fundo do poço”: não há como descer mais. Quando nos encontramos em queda livre, muita coisa ajuda neste processo. São culpas, acusações (verdadeiras ou falas), legalismos da religião, além do próprio egoísmo que, via de regra, nos leva a pensar no que poderia ser dito a nosso respeito em uma situação de desfavorecimento.
A ausência de chão pode ser pior se não enxergarmos nenhuma possibilidade de recuperação, retomada, renovação, revificação. Sendo assim, ao chegarmos no “fundo do poço” a única coisa que esperaremos é que lancem terra sobre nós a fim de nos sepultar de vez, ao invés de esperar por uma salvação. Será muito interessante acreditarmos que a ausência de chão, que nos conduz ao “fundo do poço” pode representar uma sensacional reviravolta na nossa história.
A Bíblia, no livro de Gênesis, capítulo 37, conta a história de um moço que passou por esta terrível experiência de ver o chão desaparecer sob seus pés, levando-o a um processo de queda livre até atingir o fundo do poço (no caso dele, era literal). O nome do moço era José, o penúltimo filho de Jacó, o primeiro com Raquel, sua esposa amada. José foi fruto de um milagre, uma intervenção direta do Todo-Poderoso. Viveu bom tempo como filho caçula e preferido pelo pai o que provocou nos irmãos uma repulsa enorme contra ele.
Certa vez, quando José já era um adolescente, o pai lhe pediu para ver como os irmãos estavam indo no trabalho com o rebanho. Trajado com sua pomposa túnica toda colorida (presente do pai), José foi ao encontro dos irmãos. A recepção não foi nem um pouco calorosa, muito pelo contrário. Seus irmãos mais velhos, aqueles que tinham como responsabilidade cuidar viram aquela como uma excelente oportunidade de se livrarem de vez do menino mimado. Decidiram matá-lo. Antes disso, jogaram-no em um poço sem água onde ficou no meio da lama, sem perspectiva, cheio de medos, possivelmente incomodado por perguntas infindáveis, todas sem respostas. A morte era certa, a dúvida no momento era como seria e quanto tempo demoraria. Entretanto o Senhor Deus tinha outros planos para aquele adolescente, e a ausência de chão e o fundo de poço faziam parte deste projeto divino.
Você alguma vez já considerou a possibilidade de Deus ter permitido que você fosse ferido e abandonado por aqueles que deveriam protegê-lo e amá-lo? Neste tempo você se perguntou por que Deus o tinha abandonado, ou por que ele não veio imediatamente ao seu socorro? Pensou em abandoná-lo por imaginar ter sido abandonado por ele?
É importante que você saiba que o fato de ter sido traído e abandonado pelas pessoas, até mesmo por aquelas nas quais você confiava plenamente, não implica dizer que você foi abandonado por Deus. Ele prometeu que através do Seu Filho Jesus e do Espírito Santo jamais abandonaria os que são seus. A queda, o “fundo do poço”, a vergonha, a humilhação, a dor, o abandono são partes importantes do processo de amadurecimento na vida daqueles aos quais o Senhor Deus quer muito bem. Sei bem que isso pode soar um tanto paradoxal, mas é a realidade.
A história de José nos mostra que aquele episódio desencadeou um precioso processo na formação do caráter de um dos maiores líderes da história do povo de Deus. Deus preservou a vida de José, mas não impediu que ele fosse vendido pelos próprios irmãos como um escravo para um bando de nômades que passava por aquele local. José experimentaria ainda outras sensações de “falta de chão” e “fundo de poço” antes de se tornar no grande líder do Egito e do povo de Deus.
Talvez você não venha ser um grande líder depois do “fundo do poço”, mas certamente poderá ter o caráter aperfeiçoado, se entender que, ainda que lhe tenha faltado o "chão", o apoio, o socorro, a compreensão, o perdão por parte das pessoas, o Senhor Jesus não lhe negou a Sua presença de poder e consolo.
Gidiel Câmara