Temos sempre a tendência de considerarmos como maiores vítimas as pessoas que são agredidas, feridas, torturadas, violentadas, exiladas, caluniadas, discriminadas… Isso é devido à forma como fomos treinados para enxergar a vida . Se alguém sofre, logo é alvo da nossa “compaixão”. Se bem que não sei se deveria usar este termo, pois o que sentimos não é bem isso, uma vez que compaixão sempre nos leva a uma atitude. Na verdade o que sentimos é algo que nos emociona, mas passa logo que a cena some do alcance da nossa visão, e logo podemos suspirar aliviados: ufa!
Mas gostaria de convidá-lo a refletir sobre uma questão a respeito deste tema. É fato que existem casos nos quais as maiores e piores vítimas são os agressores, os algozes, os protagonistas das grandes atrocidades. Eles também deveriam ser alvos da nossa compaixão e não do nosso ódio. Pelo menos é isso que eu consigo entender do ensinamento das Sagradas Escrituras. Jesus nos ensinou que devemos amar os nossos inimigos (Mt. 5:44), orar pelos que nos perseguem (Mt. 5:44) e caminhar um quilômetro a mais quando nos obrigarem a andar apenas um (Mt. 5:41). Esse Jesus! Sempre andando na contra mão. Graças a Deus por isso!
Tenho visto que as maiores vítimas, na realidade, são aqueles que vitimam. Tomo como exemplo um episódio dos tempos bíblicos, ainda na gênese da humanidade (Gn. 4). Nesta história conhecida, o irmão mais velho se levantou traiçoeiramente contra o mais novo e o assassinou brutalmente (existe algum assassinato que não seja brutal? Tirar a vida de uma pessoa é sempre uma brutalidade sem igual). A maioria é levada a considerar Abel como a maior vítima nesta história. Mas, será que foi mesmo? Não para mim. Considero Caim a maior vítima desta história. A Bíblia se refere a Abel como sendo um justo, ao passo que a figura de Caim ficou para sempre manchada por sua atitude nefasta.
Caim foi vítima de si mesmo; vítima da sua inveja; vítima do seu orgulho; vítima do seu ciúme; vítima da sua revolta contra o Criador; vítima do seu ódio; vítima do medo de olhar para dentro de si mesmo e reconhecer sua necessidade de conserto, de reforma. Para mim ele foi a maior vítima desta história, pois teve que conviver para sempre com todos estes sentimentos não tratados, não resolvidos, não perdoados. Caim não prevaleceu contra Abel. Olhando para esta história, digo que preferiria perder como Abel, a prevalecer como Caim.
Jesus foi torturado, caluniado, humilhado e cruelmente assassinado. Quem foi a verdadeira vítima? José foi humilhado e vendido pelos irmãos; foi caluniado pela esposa de Potifar. Quem foi a verdadeira vítima? Estêvão foi apedrejado até a morte. Quem foi a verdadeira vítima? John Huss foi queimado vivo na época dos pré-reformadores. Quem foi a verdadeira vítima? Martin Luther King foi assassinado por causa de sua luta por igualdade racial nos Estados Unidos. Quem foi a verdadeira vítima?
Quando o apóstolo Paulo escreveu aos romanos, o tempo era de terrível adversidade para os cristãos: humilhação, perseguição, supressão da liberdade, confisco de bens, tortura e morte. Foi a estas pessoas que ele escreveu: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm. 8:28). Mais uma vez somos levados a pensar que estes derrotados aqui (na terra) não eram vítimas lá (no céu).
Se você tem enfrentado tempos de calúnia; se já lançaram na lama o seu nome e sua reputação; se seus sonhos estão sufocados pelo poder maligno de seus ‘inimigos’; se tripudiam sobre o seu ‘caixão’; se tentam tornar estéril a terra na qual Deus o plantou, sossegue o coração e a alma, pois as maiores vítimas são eles.
Abel prevaleceu sobre o ciúme, ódio e fúria do irmão. Sendo como Abel você também prevalecerá sobre os Cains que o convidam para o campo a fim de lhe assassinar, tentando matar aquilo que os mata: o seu brilho. Caminhando com o Eterno, você pode ser considerado vítima aqui (na terra), mas jamais será visto como vítima lá (no céu).
Nele,
Pastor Gidiel.