segunda-feira, setembro 19, 2011

A bênção de ser um coadjuvante


Em tempos de proliferação de programas de “confinamento humano”, que tentam a todo custo transformar pessoas comuns em “estrelas de TV”, a sede pela fama, pelo sucesso, tem comprometido a formação do caráter de toda uma geração. Há algum problema em alguém desejar ser famoso? Não, desde que o “preço” pedido possa ser pago sem que a própria alma seja colocada como forma de penhor. No caminho da ascensão rumo à fama, parece que deixam de fora da “grade curricular” matérias que ofereçam um pouco mais de conteúdo relacionado à cultura geral, humildade, simplicidade (pelo menos um pouco). Para ser o “número um”, muitos passam por cima de qualquer coisa e de qualquer um. Não é de se estranhar, em virtude disto, o alto índice de futilidade evidenciado por muitas “estrelas” da cultura pop nos nossos dias. Quer algo pior? Estas pessoas compõem o grupo dos “formadores de opinião da sociedade”.
Em tempos de diluição da teologia, podemos notar (com muito pesar) a proliferação de uma “erva-daninha” quem tem contaminado centenas de milhares com uma enfermidade de alma com altíssimo grau de destruição. O rótulo que colocaram no frasco deste veneno tem sido bastante eficaz com relação a proposta de enganar suas “vítimas”. No rótulo há garantias (falsas, é bom que seja dito) de SUCESSO IMEDIATO. A chamada “teologia da prosperidade” – nome dado a este “movimento” – tem provocado nos “crentes” o mesmo desejo desenfreado que os apostadores das loterias: tornar-se um milionário. A diferença é que na referida teologia inserem o nome de Deus. Não considero uma "teologia" esta corrente, mas uma sugestão, uma forma de fazer da religião um trampolim para o sucesso. E é exatamente sobre este aspecto que desejo desenvolver um raciocínio a partir deste artigo.
O problema de ter o estrelato como alvo maior é bem parecido com o problema gerado nas almas das vítimas da “teologia da prosperidade”. No primeiro caso a máxima é: “você nasceu para brilhar”; no segundo é: “você nasceu para ser ‘cabeça’ e não ‘cauda’”. Ou seja, em ambos os casos não há espaço para a possibilidade de não ser o primeiro. Se não posso ser o ator principal, coadjuvante também não quero ser – esta tem sido a sentença de morte existencial para centenas de milhares de incautos caminhantes nesta estrada chamada vida.
Ser coadjuvante pode ser muito mais especial do que você pode imaginar. Ser o segundo nem sempre é sinônimo de ser menos importante. A indispensabilidade não está relacionada com a posição na cadeia hierárquica. Às vezes esta realidade é obscurecida aos nossos olhos pela pompa e status conferidos aos cargos mais elevados. É muito importante saber que o cargo não é capaz de conferir solidez ao seu caráter. Por outro lado a solidez do seu caráter confere firmeza e credibilidade ao cargo que você ocupa, independente do escalão.
Na Bíblia, que é a Palavra de Deus, encontramos muitos relatos de coadjuvantes abençoados e abençoadores. Por ora, quero tomar emprestada a história de Miriã, que pode ser lida no livro do Êxodo, capítulos primeiro e décimo quinto e no livro de Números, capítulo doze. Miriã foi coadjuvante que fez diferença, mas que também foi contaminada de maneira muito infeliz pela sensação de inferioridade por estar na coadjuvância.
Irmã mais velha do “ator principal” da ‘trama’ – Moisés, Miriã desempenhou uma função importantíssima. Condenado à morte pelo imperador da época, Moisés foi colocado em um cesto às margens do Nilo, bem próximo ao local aonde a princesa iria se banhar. O plano foi muito bem planejado e executado. A participação desta menina foi fundamental. Apesar de não deixar de ser uma coadjuvante, o desenrolar da ‘trama’ deveu-se muito ao seu trabalho. Foi Miriã quem abordou a princesa oferecendo um serviço especializado de babá, no exato momento em que o irmão foi resgatado das águas. Imagine se esta pequena  recusasse a coadjuvância! Obviamente, creio que Deus não ficaria de “pés e mãos atados”, mas Miriã perderia o privilégio de participar de um enredo tão espetacular.
Os anos se passaram e o menino resgatado das águas já era um homem a quem Deus confiara a responsabilidade de ser o interlocutor diante do Faraó. Miriã teve a alegria de poder, mais uma vez participar de um enredo ainda maior na história do seu povo. Deus escolheu os caminhos mais espetaculares para trazer libertação aos israelitas que, nesta época, viviam sob dura servidão no Egito. Os sinais, maravilhas e milagres ficaram marcados para sempre na história não, apenas dos israelitas, mas da humanidade de maneira geral. No caminho da liberdade, Faraó se arrependeu de ter “deixado” o povo ir e saiu decidida e furiosamente ao encalço dos “fugitivos”. Mais uma vez Deus intervém e concede livramento sobrenatural: a famosa travessia do Mar Vermelho. O mesmo local em que os israelitas passaram serviu de sepultura para os perseguidores egípcios. Do outro lado da margem, Moisés entoa uma linda canção de agradecimento a Deus e Miriã lidera o povo através dos instrumentos e das danças. Seu papel de coadjuvante foi, mais uma vez, de grande importância.
A maior crise enfrentada por Miriã foi provocada pela insatisfação com a coadjuvância. Em um determinado momento aliou-se ao irmão Arão e questionou a liderança de Moisés. Neste momento a missão foi menos importante do que o ego e, quando alguém chega a este ponto, perde a saúde espiritual. Com a alma adoecida, a vulnerabilidade para a ação do pecado é aumentada. Pobre Miriã, insatisfeita com seu papel deu lugar à ambição egoísta. Não entendeu que há uma distância que precisa ser respeitada entre o desejo de ser “ator principal” e o caminho percorrido para chegar lá. Deixou de considerar a motivação que estava por trás do seu desejo de ser “maior” do que Moisés. O assunto foi tão sério que Deus não deixou para tratá-lo posteriormente. Os irmãos insatisfeitos deveriam saber que Moisés havia sido colocado naquele “posto” por ele mesmo, Deus. Miriã foi acometida por lepra e ficou isolada por um período por um período de sete dias. Por sua causa todo o povo foi impedido de caminhar.
Por que às vezes agimos como Miriã e nos revoltamos contra todo tipo de “Moisés” que está à nossa frente? Normalmente a causa de tanta insatisfação é fruto de um ego inflado ou ferido. Faltam-nos, neste momento, a compreensão e a convicção de que Deus não nos pretere em função de nossa posição hierárquica em qualquer tipo de organização (até mesmo na igreja). Eu posso ser coadjuvante e ser um eficaz agente de expansão do Reino de Deus nesta terra. Definitivamente precisamos aprender e valorizar a coadjuvância. Nenhuma missão conhece o sucesso sem a participação dos coadjuvantes.