Todos nós precisamos, para nosso crescimento como ser humano, de tutores, mentores, mestres, discipuladores. Estas pessoas tornam-se referenciais para nós. Desde criancinhas passamos a maior parte do tempo observando quem está à nossa volta. A finalidade deste processo é alcançarmos a meta de sermos também tutores, mentores, mestres, discipuladores de outras pessoas. Os benefícios são inumeráveis. Desafortunados são os que se recusam a participar deste processo. Na nossa caminhada existencial até podemos deixar de ser tutores, mas jamais deixaremos de ser aprendizes.
Como em todo processo pelo qual passamos, quando nos dispomos a dedicar um tempo para o mentoreamento e discipulado, corremos o risco de confundir caminhada rumo à maturidade com dependência paternalista. Este risco existe também do outro lado, quando somos os mentores e discipuladores, caso não tenhamos entendido corretamente que o propósito de tudo isto é atingir a maturidade. Paternalismo difere de treinamento visando o crescimento. Quando os pais substituem o treinamento pelo paternalismo os resultados podem ser vistos em filhos mimados, birrentos, alienados e assustadoramente imaturos.
Não são poucos os crentes que se equivocam quanto a este assunto em sua relação com o Criador, com o Senhor do Universo: confundem paternidade com paternalismo. Se há algo que não pode ser encontrado na relação de Deus com seus filhos é o paternalismo. Não é e nunca foi intenção do Senhor impedir que seus filhos enfrentem de frente as adversidades. Mesmo que o maior presente concedido por ele seja fruto da graça, um favor, não faz parte do seu método de tratamento realizar todos os desejos e vontades dos seus filhos. As necessidades são sempre supridas, enquanto as vontades, apenas às vezes.
Deus espera formar em sua família o caráter de Cristo. Todos os de sua família que receberam de suas mãos os bens mais valiosos tiveram que passar primeiro por vales sombrios, enfrentar tempos de oposição, lutar contra a ansiedade e o medo. Uma frase que é característica no Reino de Deus é esta: “você foi fiel no pouco, sobre o muito te colocarei” (Mt. 25:21,23).
Dentre tantas histórias que a Bíblia registra sobre este assunto, quero me deter em uma neste momento, para um tempo de reflexão. No segundo capítulo do livro do Êxodo pode ser encontrada a história de Joquebede, uma mulher israelita que vivia no Egito. Segundo os registros das Escrituras Sagradas, depois que José morreu os israelitas se multiplicaram na terra do Egito. Um novo rei se levantou e muito se incomodou com isto. Com receio usou do poder e da força para escravizar aquele grande povo. Contudo, sua estratégia não foi eficaz para combater o crescimento. O próximo passo foi decretar a morte de todo menino no momento do parto. A tragédia estava decretada. Onde estava Deus neste momento? Reinando absoluto e soberano sobre todas as coisas, e isto incluía as leis de Faraó.
Esta história me ensina algumas lições importantes com respeito a tempos de crise, de tragédias, de perseguição, enfrentados pela família do Senhor. Joquebede me ensina que estes tempos são oportunidades singulares para experimentarmos a paternidade de Deus, não o paternalismo. Esta mulher aprendeu a discernir o tempo; entendeu que deveria estar sempre atenta ao menor sinal da ação de Deus. Compreendeu que tempos de grandes catástrofes são oportunidades para grandes manifestações do Altíssimo. Quando me refiro a “grandes manifestações” não estou pensando em algo que seja visivelmente grande. Às vezes o Senhor quer fazer algo extraordinário, verdadeiramente grande em nossas almas. Muitos não conseguirão enxergar. Por isso é importante entender que Deus se manifesta em nós com o desejo de nos levar à ação. Quando andamos com o Senhor, nossas ações tornam visíveis os feitos dele.
Joquebede aprendeu que, como dependente da ação de Deus, podia confiar em Suas estratégias, mesmo que lhe parecessem estranhas. Enquanto muitos meninos eram jogados no Nilo, Joquebede recebeu direcionamento de Deus para levar seu filho para aquele rio. Esta missão secreta e perigosa foi confiada a uma criança. Miriã, a filha mais velha de Joquebede, foi encarregada de dar sequência àquele perigoso projeto. Mas uma criança? Ela não poderia por tudo a perder? Não poderia ser tomada por medo, “dar com a língua nos dentes”? Afinal, era apenas uma menininha. Esta mulher aprendeu a confiar nas ações “estranhas” e nada “convencionais” de Deus. Aprendeu que no Reino de Deus a ordem é descansar enquanto confia e trabalhar enquanto descansa. No Reino de Deus esperamos pelo Senhor enquanto trabalhamos com o Senhor, não importa se o direcionamento para o trabalho envolva certos riscos e certas pessoas que julgamos não ser muito capazes.
Joquebede aprendeu também que o Senhor Deus é poderoso para preservar a vida mesmo que o ambiente seja dominado pela morte. Moisés foi levado para o local onde todos os meninos estavam sendo mortos. Fazia parte do projeto do Senhor retirar o menino daquelas águas. Ele estava demonstrando seu poder sobre uma das divindades do Egito – o Nilo. O Senhor da vida não tem problemas em deter a morte. Moisés foi resgatado cheio de vida, do reino da morte.
Neste processo, Joquebede pode comprovar que o Senhor usa até mesmo o adversário para a preservação da vida. Os servos do Senhor são meio lentos para entenderem que o Todo-Poderoso não conhece limites, não pode ser contido. Ironicamente um israelitazinho condenado à morte foi salvo, resgatado, protegido e criado pela filha do autor da condenação. O Senhor vai adiante destrancando os portões de ferro. Seus filhos devem esperar por ele e, ao mesmo tempo, trabalharem com ele.
Em toda esta história Joquebede aprendeu que o Senhor espera prontidão dos seus filhos para o cumprimento da missão. O menino não apenas foi salvo da morte, como recebeu toda estrutura para ser treinado para ser o homem que o Senhor desejava que fosse. Joquebede se prontificou a participar deste processo enquanto fosse a vontade do Senhor. No tempo mais importante da formação do menino, foi ela quem trabalhou como tutora, mentora, discipuladora. Não entregou o filho a Deus e deu as costas. Não apenas esperou por Deus; ela também trabalhou com Deus.
Olhando para esta história tão distante fico refletindo sobre a visão equivocada que temos da nossa participação no Reino de Deus. Confundimos paternidade com paternalismo. Enquanto isto não for devidamente corrigido em nossas mentes e corações, continuaremos apenas esperando por Deus, sem trabalhar com ele, ou trabalhando sem ele por termos desistido de esperar por Ele. O resultado sempre será o mesmo: aridez e infertilidade.